Sobrevivi a um surto de gangues na prisão no Brasil.

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“Bem, se morrermos, pelo menos morremos juntos”, sentou-se no chão de cimento quente da pequena casa brasileira, batendo o seu copo de cerveja contra o dos seus irmãos. A promessa pairava pesadamente no ar. As persianas de metal fechavam parte da luz da janela sem vidro, enquanto o sol entrava pelos pequenos buracos das persianas, desenhando desenhos caóticos no chão. No chão ao seu lado, o pequeno rádio manual murmurava actualizações sobre a onda de mortes.

Pegaram na família toda – apanharam toda a sua família”, disse uma voz rouca, “assassinaram-nos na sua casa esta manhã”. Sabíamos que poderíamos ser os próximos. Desde aquele dia até hoje, aproximadamente 300 pessoas foram assassinadas em rebeliões lideradas pelo PCC, a mais perigosa quadrilha de presos do Brasil. Foi uma coisa aterrorizante ouvir no noticiário, mas agora percebo que foi uma experiência muito única de se viver.

O fim de semana do Dia das Mães de 2006, dia das mães, foi uma semana de regras relaxadas para os reclusos de nível de ameaça mais baixo, muitos dos quais puderam ir para casa e passar o feriado com a família. PCC, ou Primeiro Comando da Capital (O “Primeiro Comando da Capital” não era uma gangue de presidiários de quinta categoria e hoje é considerada a maior organização criminosa do Brasil, com mais de 20 mil integrantes.

Pouco antes, o governo organizou uma transferência de prisioneiros, transferindo seus líderes (incluindo Marcola, foto acima) para uma prisão rural, longe do coração e da alma de sua organização, para uma prisão local, mas a poucos quilômetros de onde eu morava. O que começou como um par de prisioneiros desonestos usando telefones celulares para se comunicar com criminosos de fora levou a cinco dias de retaliação, incluindo a caça e o assassinato de mais de 150 pessoas.

Mas o que estava eu a fazer na casa de um chefe da polícia militar no Brasil rural?

Como estudante adolescente de intercâmbio de jovens, eu tinha sido colocado com uma família local proeminente nesta pequena e ensolarada cidade. O pai – que insistia que eu lhe chamasse “pai” e tratá-lo como se fosse o meu próprio pai – era também o chefe da polícia do 2º maior município do estado, o que me custava a compreender, pois era muito carinhoso e amável com a mulher e meigo com as filhas, a quem nem sequer conseguia ralhar.

A casa em que vivíamos era uma casa recém-construída e a família era tão realista que, no início, mal a encheram com mais do que algumas peças de mobiliário. Os meus pais anfitriões trabalhavam ambos muitas horas, e o armário estava cheio de dezenas de pacotes de ramen, caixas e caixas de leite UHT e algumas latas e frascos estranhos. Mas nunca ninguém tinha fome, porque o homem das entregas passava todos os dias da semana por volta das 12 horas com uma torre de marmitex, cada recipiente empilhável cheio de arroz, depois feijão, depois salada, depois carne, depois alguns vegetais salteados.

E aos domingos de manhã, descia as escadas, puxado pelo toque de sirene das gargalhadas da família na cozinha, o meu pai / chefe da polícia a beber alegremente uma cerveja enquanto preparava a sua sopa de ramen, com legumes cortados na mesa, o brasileiro sertanejo música sertaneja, e a sua esposa, minha maravilhosa mãe, a falar-lhe de algo engraçado que ele tinha dito na noite anterior.

Depois chegou o fim de semana do Dia da Mãe. Lembro-me de me terem ido buscar à escola e de me terem dito que ia passar a noite em casa de uns amigos. Havia violência na região, nada de preocupante, mas seria melhor passar a noite com amigos. Lilian, a mãe dos meus amigos, levou-me a casa para ir buscar a roupa de alguns dias. Batemos na elegante porta da frente, mas estava trancada e ninguém respondeu.

Cadeiras de lado, a mesa empurrada, cortinas rasgadas, lama e sujidade por todo o lado, armários abertos e pegadas espalhadas pelo chão branco. A visão era chocante. Procurámos ruídos, mas não havia nenhum. Em silêncio, entrámos, subimos as escadas e recolhemos algumas das minhas coisas, deixando a casa violada para trás.

Um ou dois dias depois, a minha família de acolhimento achou que era melhor para mim estar com eles. Estavam escondidos numa pequena cidade próxima, na casa de tijolo de cimento de um familiar.

Murmuravam os relatos uns aos outros, de famílias desaparecidas, de amigos de quem não tinham notícias, de tiroteios e casas vazias. Não conseguia perceber o que estávamos a fazer nesta cidade, quando, apenas alguns meses antes, o PCC tinha pedido raptos a algumas ruas de distância. Mas comecei a perceber que este era o sítio mais seguro.

À medida que os agentes da quadrilha percorriam os estados mais populosos do Brasil, avançando pelas grandes cidades e vasculhando as cidades do interior, eles revelavam a enorme divisão entre o Estado e os detentores alternativos do poder. Afinal, o sociólogo alemão Max Weber definiu o Estado como “a forma de comunidade humana que (com sucesso) reivindica o monopólio da violência física legítima”. Com aproximadamente 100.000 policiais militares no Brasil e aproximadamente 20.000 membros no PCC, uma proporção de 5:1 não é exatamente uma grande vantagem para o Estado. Resistimos à tempestade, escondendo-nos neste ou naquele lugar por alguns dias, até que o chefe de polícia sentiu que era seguro levar a sua família para casa. As casas tinham sido invadidas, muita coisa tinha sido destruída, a população de São Paulo estava abalada e mais de 150 pessoas tinham morrido, com muitos feridos. No final, pudemos voltar para casa, respirando aliviados porque a maior quadrilha de presos do Brasil não nos tinha encontrado.

Nota: Hoje, felizmente, há uma discussão mais aberta e interesse nas condições cruéis enfrentadas por muitos presos e nas circunstâncias desumanas de muitos nos sistemas de justiça criminal em todo o mundo, mas o que mais se destacou para mim durante a minha década aproximada de vida no Brasil foi como imediatamente a redução da pobreza poderia melhorar quase todas as estatísticas importantes, especialmente as taxas de incidentes criminais. Muito mais foi dito e ainda será dito sobre as necessidades de reforma e as complexidades do policiamento, a instituição das prisões e o papel político, social e económico do crime organizado, mas, por enquanto, este artigo serve como o meu pequeno banco de memória do que era ser um adolescente escondido de uma notória gangue prisional brasileira.

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